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- Um outro olhar
Mario Quintana, com sua sensibilidade além do comum dizia que “o que mata um jardim não é o abandono. O que mata um jardim é esse olhar de quem por ele passa indiferente”. Salvador viveu um período em que nosso verde, ou o descuido com ele, passou indiferente aos olhos soteropolitanos. Anos que começam a ficar apenas na memória. Com a mudança de comando, a gestão de áreas verdes voltou a ser prioridade. Desmantelada anos atrás, passou a ser reconstituída e a cidade volta a ser florida e cuidada. Vivemos então alguns dilemas: muitas de nossas árvores não resistiram aos anos de abandono. Estão doentes, com fungos e parasitas. Em alguns casos uma poda drástica ainda as salva. Em outros a única solução é sua retirada. Muitas espécies inadequadas foram utilizadas na arborização das cidades brasileiras, que hoje passam a enfrentar situações, em alguns casos, dramáticas, como um edifício na Pituba que começou a ter sua estrutura abalada pela ação das raízes de uma imensa amendoeira. A ação das raízes é silenciosa e desconhecida da maioria. A retirada da árvore causa um impacto forte na comunidade. Mas o que fazer? É como uma pessoa que passou um bom tempo sem ir ao médico, mesmo sabendo da necessidade, e quando vai recebe um diagnóstico grave, e que o remédio é amargo. Não adianta culpar o médico. No caso de nossas árvores, elas não têm culpa, mesmo assim em alguns casos o remédio é amargo. Mas não só de remédio amargo vive nosso verde. Em Salvador a prefeitura já plantou mais de 30 mil mudas de árvores nativas da Mata Atlântica e tem a meta de plantar 100.000 até 2016. Com uma diferença: a escolha das espécies, do momento e do local adequados ao plantio, reunindo condições para que o plantio se integre ao paisagismo e ofereça alimento para a avifauna garantindo a biodiversidade urbana. Para irmos além da gestão, está em fase final de construção os estudos preliminares para que a sociedade soteropolitana comece a discutir um Plano Diretor de Arborização Urbana, Areas Verdes, Paisagismo e Mata Atlântica para a capital. Esse documento, que será construído de forma participativa definirá metas, formas, índices, vetores de conservação e preservação assim como espécies adequadas para o plantio na cidade e a necessidade de sua manutenção para os próximos anos, integrado à discussão do PDDU e da LOUOS. Passará então a ser um grande legado, uma Política Pública que passará por governos e orientará a integração do desenvolvimento urbano à um modelo mais verde. Alguns dos principais objetivos do PDAUMA são a conservação, recuperação e preservação de remanescentes da Mata Atlântica, bioma que preenche todo o município com seus ecossistemas associados restingas e manguezais e tem uma das maiores concentrações mundial de biodiversidade. Recentemente, Ministério Público, Prefeitura de Salvador e ADEMI, juntos assinaram um grande pacto pela Mata Atlântica, garantindo regras claras para o manejo da mata na cidade, escrevendo uma página na História da conservação do bioma em Salvador. Buda teve sua revelação sob uma Figueira. Newton mudou o estudo da física sob uma macieira. É com esse olhar que apreciamos, protegemos e fazemos renascer nosso verde soteropolitano. Um outro olhar. Artigo originalmente publicado na edição de 20/09/2014 do Jornal A Tarde.
- Grandes Geradores de Oportunidades
Inegável que a Política Nacional de Resíduos Sólidos consolida princípios básicos para a gestão do que descartamos após uso. Lixo agora é resíduo que é matéria prima para outras formas de economia. A partir de princípios como a logística reversa e a responsabilidade compartilhada, o manejo e gestão dos resíduos sólidos passam a ser uma preocupação de todos. Não bastará deixar o saco na frente de casa ou do comercio para o caminhão passar e levar. O tema tem suscitado recente polêmica girando em torno dos grandes geradores de resíduos em Salvador. Os grandes geradores, pela legislação municipal, são considerados os estabelecimentos que geram a partir de 300 litros diariamente. Com a nova legislação, esses geradores terão isenção da taxa de recolhimento público, mas não terão mais acesso ao serviço. Precisarão contratar empresas para transportar e destinar sua produção diária de resíduos. As empresas cobram por peso o serviço. Mas a prefeitura, na regulamentação da lei, coloca uma oportunidade para os grandes geradores. Oportunidade essa que gerará grandes benefícios para toda a cidade. Ao implementar programas de coleta seletiva dos resíduos, o estabelecimento que reduzir a geração de rejeito (aquilo que não se recicla) abaixo de 300 litros, poderá ter sua classificação reconsiderada. Nos seminários de apresentação da lei de grandes geradores, os técnicos da prefeitura se colocaram a disposição para orientar e assessorar as empresas na implementação de seus programas de coleta seletiva, assim como fazer as conexões com as cooperativas de reciclagem sediadas na cidade. Hoje, enterramos dinheiro. Plástico, metal, vidro, papel entre tantos outros materiais nobres vão direto para debaixo da terra quando poderiam se transformar em renda e ocupação. Estudos desenvolvidos pela LIMPURB mostram um potencial de reciclagem do resíduo doméstico em Salvador de 46% de tudo que mandamos para o lixo. Transformar esse potencial em emprego, renda e ocupação em Salvador é responsabilidade de todos. A prefeitura já esta finalizando um programa para integrar o cidadão à Coleta Seletiva, junto a cooperativas e empresas. Já as empresas classificadas como grandes geradores, tem diante de si uma oportunidade única: “resolver o problema” ajudando a cidade ao mesmo tempo. Ou seja, deixa de ser um grande gerador de resíduos e passa a ser um gerador de oportunidades a partir da reciclagem. Artigo originalmente publicado na edição de 27/11/2014 do Jornal Correio.
- Placebo
O filme O Óleo de Lorenzo, conta a história real de um pai que trava uma busca incessante pela cura de uma raríssima doença degenerativa, a ALD, que começou a dar sinais em seu filho aos seis anos. O óleo, desenvolvido em 1988, baseado em azeite de oliva e colza, passou a levar o nome de Lorenzo e ajudou milhares de pessoas, além de render o título de Honoris Causa em Medicina ao pai e dar 20 anos de vida a Lorenzo além do que os médicos diziam. Trinta anos depois pais brasileiros precisam burlar a lei para importar um remédio a base de maconha, o CBD, que reduz em 90% a ocorrência de convulsões em crianças com a rara desordem genética CDKL5. Anny Fisher, 5 anos, foi a primeira brasileira a conseguir na justiça o direito de importar legalmente o CBD. Reduziu de 80 convulsões por semana para 2 por mês. O CBD possui ainda diversas propriedades benéficas comprovadas no tratamento de esquizofrenia, parkinson, fobia social, transtorno do sono, diabetes tipo 2 e até mesmo na cura da dependência química de substâncias psicoativas. No Brasil, a lei prevê o cultivo e o uso da cannabis sativa para fins medicinais e científicos, mas na prática não há regulamentação nem regras claras para definir em que condições ela pode ser manipulada, o que impede que suas propriedades sejam exploradas e outras curas possam ser encontradas. Nos Estados Unidos, o estado do Colorado legalizou a maconha em novembro de 2012, mas as primeiras lojas só abriram em 2014, tendo US$ 98 milhões arrecadados em impostos, que antes corriam pelo ralo do narcotráfico. As vendas totais de maconha de uso recreativo devem somar US$ 610 milhões e já terem empregaram direta ou indiretamente 100 mil pessoas. Desse dinheiro, US$ 45 milhões vão para programas de prevenção de uso na juventude e US$ 40 milhões para tratamento de abuso. Nos Estados Unidos já existem pelo menos cinco fundos americanos de venture capital colocando dinheiro em startups de maconha. Estudo recente mostrou que a legalização da maconha na França poderia render 2,2 bilhões de euros em tributos ao invés de gastar 568 milhões de euros por ano entre despesas judiciais, policiais e carcerárias atuais. Na Espanha, a pequena Rasquera de 900 habitantes, resolveu alugar seus terrenos para o cultivo da maconha e fugir da crise que assola o país. Desde que os EUA decretaram a “Guerra as Drogas”, muitas cifras foram gastas em uma política internacional de repressão, que teve como resultado o crescimento de um mercado paralelo baseado em corrupção e violência, impedindo que as propriedades químicas da maconha pudessem ser exploradas pelas indústrias têxtil, farmacêutica, cosmética, entre tantas outras aplicações. Entender que o uso de substâncias psicoativas é um fenômeno natural da humanidade é o primeiro passo para mudar a forma como lidamos com a questão. E para isso é preciso responder com bons serviços de educação e saúde. Prender consumidores e os reunir com traficantes no mesmo local é a receita para universidades do crime, retrato das nossas penitenciárias. Uruguai, Holanda, Portugal e diversos estados norte-americanos se movem em direção ao futuro. Aqui, insistimos na mesma dose de um placebo caro, sonhando que ele faça efeito. Artigo originalmente publicado na edição de 03/01/2015 do Jornal A Tarde.
- A cidadania vai à praia
A primeira capital do Brasil é uma península. Cercada de água possuímos ilhas em território municipal e o mar como parte do cotidiano do soteropolitano. É no mar que celebramos Iemanjá, ou o ano novo que chega. É no mar que nos encantamos sempre com o pôr do sol. É no mar o lazer mais simples, barato e democrático: a praia. Mas a faixa de areia e as águas do mar foram negadas para uma parte dos soteropolitanos nos últimos anos. A praia não estava tão democrática assim. Sem rampas, pessoas com mobilidade reduzida ou portadoras de necessidades especiais não podiam ter acesso à areia ou ao mar. O desejo de um banho de água salgada tinha que contar com a mobilização de familiares ou amigos para contornar obstáculos e alcançar o lazer. A praia de Ondina passou a representar a cidadania para essas pessoas. É lá que os obstáculos são eliminados e o mar é apenas uma opção simples, barata e democrática de lazer e alegria. Seja para um mergulho, um banho ou a prática de esportes como stand up padle, todas adaptadas e acompanhadas por profissionais. Em Ondina, acontece o ParaPraia, projeto da prefeitura de Salvador com parceiros privados que está levando a cidadania à praia. Não é so Ondina: toda a requalificação da orla de Salvador, de Tubarão à Ipitanga, contempla rampas de acesso. Essa preocupação mostra uma face da prefeitura cada vez mais presente, a da preocupação com a melhoria da qualidade de vida das pessoas, de todo e qualquer grupo social. Pessoas como Marisa que estava vinte anos sem sentir o sal das águas do mar, passaram a retomar esse prazer abandonado. Ou Eleonora, 90 anos e já acometida pelo Alzheimer, há quatro anos não se sentia segura em mergulhar. Os parentes relatam com emoção o efeito terapêutico que essas experiências têm causado nesses banhistas que redescobrem o prazer do mar. Mais ainda, o Para Praia se integra à uma série de iniciativas municipais, tocadas por diversos órgãos, que têm mudado a relação das pessoas com a cidade e da cidade com as pessoas. Eu Curto meu Passeio, Salvador Vai de Bike, novas praças e parques trazem de volta o prazer de estar ao ar livre, o prazer do encontro com a cidade e com as pessoas. Essa mudança não é vista. Ela é sentida no cotidiano. Testemunhar esse reencontro com a cidadania, no caso do ParaPraia com o mar, é emocionante para quem apenas assiste percebendo a transformação que um simples banho de mar pode disparar. Imagina para quem passa a ser a transformação. Artigo originalmente publicado na edição de 14/01/2015 do Jornal Correio.
- Cegos no escuro
Secas cada vez mais prolongadas se revezam com temporais cada vez mais avassaladores. Da Amazônia aos pampas gaúchos, eventos climáticos extremos têm mudado nossas paisagens. O planeta está desequilibrado. As relações naturais são holísticas, sistêmicas, enquanto nosso modelo de produção e consumo é reto, cartesiano. Em completa desconexão, rumamos em direção ao abismo com as pastilhas de freio desgastadas. Estamos no fundo do poço. Foram essas palavras que classificaram o Brasil, no relatório anual das ONGs Germanwatch e Climate Action Network Europe, revelando o desempenho vergonhoso que nos fez despencar 14 posições, entre as 58 nações avaliadas, sobre políticas de clima. Enquanto o planeta ruma para uma economia de baixo carbono e energias renováveis o trunfo desenvolvimentista nacional é o combustível do século 19, motor de uma empresa símbolo nacional, mas desconectada com o bonde da História. O petróleo encontrado no pré-sal, não é nem de longe a solução de nossos problemas. A Petrobrás precisa acelerar sua transição de uma empresa petrolífera para uma empresa energética, com foco em renováveis. O pré-sal poderia ser esse passaporte, mas não é isso que os movimentos governamentais demonstram. Mesmo sendo o 10º país do mundo mais atrativo no setor, segundo o Índice de Atratividade de Energias Renováveis, da consultoria Ernst & Young, o Brasil permanece estático. Um exemplo claro é Plano Nacional de Energia até 2030, da EPE, que simplesmente ignora a energia solar. A matriz eólica produz ¼ do seu potencial, enquanto o governo investe 70% em combustíveis fósseis. O pré-sal é o maior investimento do mundo, se considerarmos o volume de investimento em um único negócio. Pesquisa da Frankfurt School com a ONU e a Bloomberg, mostra que os investimentos brasileiros em renováveis entre 2008 e 2013 caíram 75%. O etanol brasileiro a base de cana, uma das inovações mundiais no setor energético, vive a deriva enquanto a exploração do pré-sal deve emitir mais de 330 milhões de toneladas de CO2 por ano, quantidade equivalente ao total de emissões de toda África do Sul. Já o restante do planeta se move em outra direção. Segundo a Bloomberg New Energy Finance as projeções para o setor de energias renováveis são de um crescimento de 230%, passando dos US$ 268,7 bilhões de investimentos em 2012 para US$ 630 bilhões por ano em 2030. A energia solar nos Estados Unidos gerou mais de 20 mil empregos em 2013, mais que a indústria automobilística no Brasil, considerando todos os inventivos tributários e econômicos que receberam. Até o Rockefeller Brothers Fund, da lendária família americana que construiu sua fortuna sobre poços de petróleo anunciou a retirada de US$ 50 bilhões de seus investimentos em exploração de petróleo. Enquanto no Brasil o motor da economia é a indústria automobilística que entope nossas cidades como as artérias de um enfartado, na Espanha se vende mais bicicletas que carros. Nossa contribuição é o quinhão de insensatez. Um ministro de Ciência e Tecnologia que não acredita em inovação e aquecimento global, o avanço do desmatamento da Amazônia três vezes maior, a ausência de uma política energética séria, a desconexão da política econômica e o desdém da política ambiental. Artigo originalmente publicado na edição de 31/01/2015 do Jornal Correio.
- Carnaval: em busca da sustentabilidade
Uma festa complexa que tem o povo como grande protagonista e um esforço de guerra para que as coisas possam estar organizadas. Sim, estamos falando do Carnaval. O nosso, Salvador, é uma das maiores festas de rua do planeta, título concedido em 2004 pelo The Guinness World Records. São dois milhões de pessoas entregues à fantasia de uma festa onde os tabus perdem força e as permissões tornam-se hiperbólicas, nos diria Vinicius de Moraes. Mesmo com um ensaio de crise, o carnaval de 2015 surpreendeu. Ignorando a recessão por que passa o país, a ocupação hoteleira aumentou, assim como a procura por camarotes e blocos, entre tantos outros números da festa que se mostraram crescentes frente 2014. E a busca por um carnaval mais sustentável não fugiu à regra: 2015 foi um ano de avanços e números animadores para nossa cidade. Transformar uma festa complexa como nosso carnaval em um espaço menos agressivo ao ambiente, através da adoção de tecnologias sociais e sustentáveis é desafiador. O Programa Carnaval Sustentável chega em sua segunda edição com 100% de aumento na adesão de blocos e camarotes que passaram a adotar práticas que vão desde a simples implantação da coleta seletiva de materiais recicláveis com a integração de cooperativas até a captação da água da chuva, sempre presente no carnaval. De forma voluntária e sem benefícios fiscais percebe-se que a questão ganha força dia após dia entre empresários e foliões. Uma corrente da sustentabilidade cresce a cada ano. Artistas como Gil, Durval e Saulo emprestam sua imagem e sua história de engajamento em causas socioambientais, engrossando o caldo, chamando a atenção para o tema, formando opinião e renovando a participação das pessoas. O Camarote do Reino que, junto com o Nana, foram os únicos que lograram alcançar a certificação Ouro do Carnaval Sustentável, estima que economize entre 20 e 30% todo ano com o reaproveitamento de materiais de sua estrutura, bem como com a captação da água da chuva. A CANORE, cooperativa sediada no Nordeste de Amaralina envolve 15 cooperativados na ação dentro do camarote e gera renda de um mês em sete dias para os cooperativados. Esses números ajudam outros. Mesmo com mais gente na rua, basta comparar com 2014 ou pegar os números da ocupação hoteleira e do aporte de turistas na cidade, 2015 teve uma redução de 14% da geração de resíduos durante os dias de carnaval. Nas ações pós folia de limpeza na Barra a mesma tendência: menos da metade dos resíduos que 2014. Enquanto isso um número aumentou: em 2015 tivemos 115 toneladas de materiais recicláveis recolhidos por cooperativas formais nos circuitos. Se contabilizarmos o que foi recolhido pelos catadores informais estima-se que a quantidade dobre. Em 2014 foram 64 toneladas. Movimentos como esses, refletem uma virada sendo dada na sustentabilidade da festa. E é assim mesmo. Afinal sustentabilidade é um novo paradigma, e como novo paradigma sua transição é um processo, segue um ritmo próprio a medida que a sociedade começa a compreender sua necessidade. E os números traduzem esse movimento de mudança, sendo o carnaval nosso espelho. Graciliano Ramos dizia que “se a única coisa que de o homem terá certeza é a morte; a única certeza do brasileiro é o carnaval no próximo ano”, e para a prefeitura de Salvador a certeza é que ele será mais sustentável em 2016. Artigo originalmente publicado na edição de 26/02/2015 do Jornal Correio.
- IPTU Verde: Extrafiscalidade e Sustentabilidade em sintonia
Baseado no principio da extrafiscalidade, o IPTU de Salvador tem seu papel ampliado para além de meramente arrecadatória ou fiscal do tributo. Agora o incentivo a sustentabilidade urbana faz parte de sua essência. A extrafiscalidade como princípio determina que os tributos e desonerações tributárias devem ser opções no sentido de incentivar condutas que promovam a efetivação de objetivos, valores e princípios constitucionais, com impactos positivos e abrangentes na sociedade. Exatamente o que propõe o IPTU Verde de Salvador. O IPTU Verde segue uma lógica de certificação para edificações que investirem em tecnologias sustentáveis em seus projetos de construção ou reforma. A aplicação dessas tecnologias soma pontos e esses pontos e tecnologias somados classificam os empreendimentos. Ao atingir entre 30 e 60 pontos classifica-se como bronze e se beneficiará com 5% de desconto na alíquota do IPTU. Entre 61 e 99 pontos, se alcança a categoria Prata logrando 7% de desconto. Já quem atingir 100 ou mais pontos enquadra-se na categoria Ouro e recebe o desconto máximo permitido em lei de 10%. Os proprietários de terrenos inseridos em áreas de proteção ambiental que optarem por não edificar ou explorar economicamente terão um desconto de 80% na alíquota anual do IPTU. Os projetos de construção e reforma que busquem o IPTU Verde terão prioridade nos licenciamentos municipais. As tecnologias são reunidas em grandes grupos: gestão sustentável das águas, eficiência e alternativas energéticas, projeto sustentável, bonificações e emissões de gases de efeito estufa. As iniciativas percorrem esses grupos e vão desde o reaproveitamento de águas cinzas, passando pela implementação de teto verde e indo até a implantação de captação de energia a partir do sol e dos ventos. São 63 possibilidades de pontuação. A implantação de um programa como o IPTU Verde sintoniza nossa cidade com um movimento mundial. O mercado de construção sustentável não tem sentido as dificuldades imputadas pela economia brasileira nos últimos anos a diversos segmentos. De acordo com um estudo realizado pela Ernst & Young com apenas uma certificadora, em 2012, os prédios verdes movimentaram R$ 13,6 bilhões no país. A mesma pesquisa indicou que o valor dos imóveis que reivindicam essa certificação alcançou 8,3% do PIB total de edificações em 2012, atingindo R$ 163 bilhões. Entre 2009 e 2012, o número de certificações cresceu 412% no Brasil. Esse crescimento segue um movimento de aumento da demanda do consumidor edifícios sustentáveis e a evidência cada vez mais nítida de que eles conferem vantagens de mercado que poder ser quantificáveis, indo desde a economia de energia e corte de custos operacionais à valorização imobiliária. O IPTU Verde de Salvador foi escolhido como uma das 100 soluções, de 56 cidades, mais inovadores para combater as mudanças climáticas na recente publicação Cities 100, lançada durante a COP 21 em Paris. Integramos ainda, o mapeamento de incentivos econômicos para a construção sustentável da Câmara Brasileira da Indústria da Construção. Conectamos Salvador ainda aos movimentos globais que desenvolvem estratégias de combate e mitigação aos efeitos das mudanças climáticas globais e ao apelo nacional pelo cuidado com a água. Enquanto governos nacionais não se entendem em grandes cúpulas internacionais as cidades podem dar respostas em âmbito local. Com visão de longo prazo avançamos em busca do tempo perdido, convocando e “premiando” os que estão na mesma sintonia. Artigo originalmente publicado na edição de 25/03/2015 do Jornal Correio.
- Diplomacia de Cidades
Em 2012 a Conferência da ONU sobre Desenvolvimento Sustentável – Rio+20, reuniu 188 países, e terminou com resultados tímidos e a procrastinação para 2015 de metas para um desenvolvimento de baixo carbono. Os constantes alertas sobre o impacto das mudanças climáticas globais sobre a economia, os riscos urbanos e a saúde da humanidade não foram suficientes para sensibilizar os líderes dos governos nacionais. Muitos inclusive sequer apareceram. Outros ignoraram solenemente a conferência. Teve líder que foi a estádio assistir jogo de futebol em seu país enquanto o evento acontecia no Rio de Janeiro. Mas nem tudo se perdeu. Alguns bons resultados e compromissos saíram da conferência. Durante a Rio+20 as cidades do C 40 estabeleceram compromissos e metas de redução das emissões de GEE até 2030. Percebendo o protagonismo que as grandes cidades vem desempenhado no cenário global, a ONU convidou o C 40 para fazer parte oficialmente da próxima conferência que acontecerá em Paris em 2015, o prazo estabelecido pela Rio + 20 para que sejam definidas metas concretas para o desenvolvimento sustentável. Esse papel, cada vez mais relevante, que o C 40 chama de diplomacia das cidades, é uma resposta prática de líderes locais à questões globais, já que os governos nacionais não conseguem chegar a consensos e adiam decisões que possuem como característica principal a urgência. Caberá então as cidades o papel de locomotiva dessas mudanças, assumindo papel de destaque e decisivo, afinal elas são a peça chave nessa luta, pois consomem 78% da energia global, contribuem com mais de 60% das emissões de GEE e geram 1300 milhões de toneladas de resíduos sólidos. A Rede C 40 foi criada por cidades para cidades. Seu principal objetivo é implementar estratégias para redução das emissões de carbono nas megacidades e ampliação da resiliência das comunidades locais. Reúne atualmente 75 das megacidades do mundo comprometidas em enfrentar as mudanças climáticas. Essas cidades representam 5% da população mundial e 21% do PIB global. As cidades da rede já desenvolveram mais de cinco mil ações climáticas, que até 2020 reduzirão 248 milhões de toneladas de emissões de gases de efeito estufa em todo o mundo – o mesmo que Argentina e Portugal juntos emitem. As cidades da rede C 40 tem o potencial de reduzir suas emissões anuais cumulativas de GEE em 1 gigatonelada até 2020. Esse potencial parte do pressuposto que o business as usual já não cabe mais e que o enfrentamento às mudanças climáticas transfere a rubrica de custeio ou gasto para de investimento e geração de emprego e renda. Se entendermos que as mudanças climáticas vão acontecer e que elas impactam as cidades, o que é um problema pode se transformar em uma grande oportunidade. A mudança da matriz energética dos transportes, a construção sustentável, a ampliação da reciclagem são ações já desenvolvidas pelos governos locais e que consideram a inovação fator chave para colocar os governos locais na dianteira do combate aos efeitos das mudanças climáticas. Salvador foi integrada como quarta cidade brasileira à Rede C40. Se somou a Rio de Janeiro, São Paulo e Curitiba. Integram ainda a rede cidades do porte de Nova York, Londres, Cidade do Mexico, Buenos Aires, Amsterdan, Toquio. São cidades que resolveram encarar a sustentabilidade como pilar estratégico para seu desenvolvimento. Para Salvador, esse reconhecimento é a oportunidade de levar sua agenda para além das fronteiras regionais e nacionais, mas em especial em dialogar com as cidades mais inovadoras do planeta, trocar experiências e buscar soluções adaptáveis à nossa realidade. Somos uma península e estamos completamente vulneráveis aos efeitos das mudanças climáticas. Será essa diplomacia de cidades que assumem a liderança e o compromisso que guiará nosso planeta urbano pelo caminho da sustentabilidade. E Salvador entrou no jogo. Artigo originalmente publicado na edição de 15/05/2015 do Jornal Correio.
- Loucos
Sustentabilidade tem se tornado um termo clichê. Servindo a diversos senhores, acaba por ter banalizado seu real sentido e importância. Há poucos anos atrás os que falavam em meio ambiente eram considerados loucos, poetas, místicos, incômodos e chatos. Era hora de aproveitar o que o planeta nos deu, consumir era felicidade e ninguém impediria esse direito. A humanidade se lambuzou achando que era grátis. Mas a conta foi chegando devagar e agora é hora de pagar. A corda dos loucos foi aumentando, aumentando e de repente começam a parecer loucos os que antes eram sãos. As novas gerações trazem o DNA da sustentabilidade e ajudam a fazer as gerações anteriores evoluir. Como o grilo falante, elas ensinam e praticam o novo paradigma de desenvolvimento, como se fosse a coisa mais comum. E é para elas, como tem sido para cada vez mais gente. Como pensar hoje em um desenvolvimento que não traga benefícios a todos? Que não seja transparente e participativo, ou que não transforme nossos espaços de convivência em locais onde a qualidade de vida é a tônica? “O caminho para a dignidade até 2030: acabando com a pobreza, transformando todas as vidas e protegendo o planeta”, é o novo relatório da ONU que aborda os desafios pós-2015 e constrói uma nova agenda a partir de 17 Objetivos do Desenvolvimento Sustentável e 169 metas para transformar nosso planeta e nossas relações. Aprovado por unanimidade dos países, os objetivos e metas impõem um desafio a ser alcançado em 15 anos, reforçando o senso de urgência que o tema precisa, face a necessidade de, literalmente, salvarmos nossa própria pele. E essa salvação passa obrigatoriamente pelas cidades, onde o dia a dia acontece e as políticas públicas se concretizam. Inserir Salvador nesse contexto é um desafio que está em marcha desde 2013. Depois de décadas sem olhar local, a agenda ambiental assume seu papel. O primeiro grande e Histórico passo tomou forma na sanção da Lei Municipal 8915\2015, a Política Municipal de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável, gerada pelo executivo em um amplo processo de envolvimento da sociedade e aprovada pela Câmara de Vereadores. Fruto dessa construção coletiva, ela é um marco para nossa cidade. Bandeira histórica do movimento ambientalista e uma necessidade para Salvador, a nova lei traz instrumentos modernos e estrutura, de forma clara, antigos processos como licenciamento, fiscalização, financiamento e controle social, garantindo segurança jurídica para todos. Traz a temática das mudanças climáticas e a possibilidade de pagamento por serviços ambientais. Reconhece o direito de todos os seres vivos e confere a devida importância aos espaços sagrados dos candomblés da cidade e sua relação com a natureza. Agora está posto o desafio de sua implantação, 34 anos depois da Política Nacional de Meio Ambiente, e 27 anos após a Constituição Federal trazer o meio ambiente sadio como um direito de todos. Diferente do século passado hoje nosso desafio maior é a construção de uma Salvador resiliente aos efeitos das mudanças climáticas, que se tornam mais dramáticos em uma península latinoamericana com relevo extremamente acidentado. A recém sancionada lei prepara nossa cidade para esses desafios. Se articula à redes como a C40, resgatando o caráter global que Salvador teve em seu auge, quando foi o porto mais movimentado das Américas. Agora o comércio escravagista e de commodities cede lugar a sustentabilidade. Lenine traduz essa mudança em uma de suas músicas: Éramos uns poetas loucos, místicos; Éramos tudo o que não era são; Agora são com dados estatísticos; Os cientistas que nos dão razão; De que valeu, em suma, a suma lógica; Do máximo consumo de hoje em dia; Duma bárbara marcha tecnológica; E da fé cega na tecnologia? Artigo originalmente publicado na edição de 08/10/2015 do Jornal A Tarde.
- Exportadores de violência
“Enquanto houver guerra, há esperança”, dizia Pietro Chiocca, traficante de armas interpretado por Alberto Sordi, ao seu assistente sempre que ele descobria um novo conflito na África ou Oriente Médio. A frase nomeia o filme original em italiano “Finché c’è guerra c’è speranza”, de 1974. Enquanto lidera uma missão de paz no Haiti, o Brasil se destaca como o quarto maior exportador de armas do mundo, fabricando inclusive munições para armas que a indústria interna não produz. De acordo com o relatório As Armas e o Mundo da organização Small Arms Survey, que monitora conflitos armados e o comércio de armas de fogo no mundo, só ficamos atrás dos Estados Unidos, Itália e Alemanha quando o assunto é exportação de revólveres, pistolas, metralhadores, fuzis, lança-granadas, artilharia anti-tanque, munições e morteiros. Estamos à frente de países como a Rússia, fabricante da AK 47 e a China que tem o maior exército regular do planeta. De acordo com o relatório, o Brasil é o único país no ranking que não é transparente quando o assunto é exportação de armas: ninguém sabe ao certo pra onde vai, quem compra e quanto compra das armas brasileiras. Nossas armas podem estar sendo usadas por milícias separatistas, grupos paramilitares, bandos terroristas, governos autoritários, violando Direitos Humanos e potencializando conflitos ao redor do mundo. Em 2011 o país não entregou à ONU o relatório de suas transferências de armas, mesmo sendo signatário da ATT, tratado internacional que regula comércio de armas. Os poucos dados mostram que o Brasil é o segundo maior fornecedor de armas pra a Venezuela, país que atinge a alarmante taxa de 55,4 homicídios por 100.000 habitantes, sendo atualmente o mais violento do mundo. Armas brasileiras também abastecem os conflitos no Iêmen. A produção e circulação de armas descontrolada faz com que elas possam parar nas mão de fundamentalistas como o Estado Islâmico ou o Boko Haran por exemplo, e usadas em atos terroristas com centenas de morte como os de Paris e Quênia. Essa indústria exportadora de violência mira agora seus negócios no mercado interno. Financia a flexibilização do Estatuto do Desarmamento que, de acordo com o Mapa da Violência 2015, salvou mais de 160.036 vidas desde sua sanção em 2003, sendo 113.071 de jovens na faixa etária entre 15 e 29 anos. Entre 1993 e 2003 os homicídios com arma de fogo cresceram 7,8% ao ano, chegando a 36.115. Se fosse mantida essa progressão, teríamos em 2012, 71.118 vítimas fatais de armas de fogo, no entanto foram registradas 40.077 mortes, 1% de crescimento, contra os 7,8% de antes do Estatuto do Desarmamento. Mesmo assim ainda estamos à frente de países como Iraque, que vive um pós guerra frágil, e México, com uma eterna briga entre cartéis de nacotraficantes, quando o assunto é taxa de homicídios. Aqui 20,7 pessoas morrem a cada 100.000 pessoas, enquanto no Iraque a taxa está em 6,3, e no México 13,6. Em 2006, a CPI do Tráfico de Armas da Câmara, diz em seu relatório final que “55% das armas [encontradas com criminosos] rastreadas (…) foram legalmente vendidas, antes de caírem na ilegalidade. Destrói-se o mito de que as armas vendidas a cidadãos de bem nada têm a ver com as armas dos criminosos”. Essas armas e munições têm alvo. Enquanto o número de pessoas brancas mortas por arma de fogo caiu de 14,5 mortes por 100.000 habitantes para 11,8, (23%) entre 2003 e 2012, a quantidade de vítimas negras aumentou 14,1% saltando de 24,9 para 28,5. Vivemos um holocausto que tem cor, idade e sexo. Flexibilizar o Estatuto do Desarmamento, é um caminho para a consolidação desse estado de guerra que vive o país. Todas as evidências e dados mostram que a circulação de armas de fogo, registradas ou não, potencializa o número de mortes. Como o motociclista Sílvio Ricardo de Andrade Silva, 41 anos, assassinado depois de esbarrar no retrovisor de um veículo no trânsito. O motorista sacou uma pistola, fez diversos disparos pelas costas e fugiu do local. Se ele não tivesse uma arma provavelmente Sílvio estaria vivo e a solução teria sido na justiça. A paz não pode ser uma palavra bonita nos discursos. O mundo gastou U$ 1,75 trilhão em armas em 2013, de acordo com levantamento do Stockholm International Peace Research Institute. Em dezembro 193 países estarão reunidos para encontrar um acordo que possa fazer o planeta caminhar no sentido da adaptação as mudanças climáticas. A grande pergunta é sempre de onde virá o dinheiro para financiar essa transição. Por que não um corte linear de 20% em todos os orçamentos militares? Precisamos deixar de ser protagonistas da geopolítica da violência e sermos protagonistas da geopolítica da paz. Artigo originalmente publicado na edição de 24/11/2015 do Jornal Correio.
- O começo do fim
Se passaram 23 anos desde que a ECO 92 traçou como objetivo evitar a “interferência perigosa” da humanidade no sistema climático. Com décadas de atraso, impasses, pequenos avanços, grandes fracassos e depois de duas semanas de apreensão chega ao fim a COP 21, ou vigésima primeira Conferência das Partes da Convenção das Nações Unidas sobre Mudança Climática, em Paris, com uma sensação de alívio e um acordo histórico entre 195 países, para que o planeta inicie a transição para a economia carbono zero. É uma nova revolução industrial que se forjará nas próximas décadas, com uma visão global e com um objetivo: nos salvar de nós mesmos. Um acordo universal que talvez seja o mais importante do século XXI. O grande avanço do acordo de Paris vem da vitória da ciência sobre o ceticismo. O texto final traz uma orientação para que o aquecimento do planeta fique bem abaixo de 2°C até 2100, com esforço de chegar a 1,5°C, exatamente o que defende o IPCC para que o planeta não colapse e o caos climático transforme a imprevisibilidade em padrão. O acordo ainda deixa lacunas, em especial o detalhamento para se limitar o aquecimento global à 1,5ºC, já que o conjunto das metas apresentadas pelos países, as chamadas INDCs (Pretendida Contribuição Nacionalmente Determinada, sigla em inglês), deixam um gap de 12 gigatoneladas de CO2, o que nos leva a um aquecimento entre 2,7°C e 3,5°C – considerando que as metas serão cumpridas na totalidade. Como essa meta de limitar a variação de temperatura não vem acompanhada de um roteiro dizendo como ela deve ser alcançada, cientistas têm criticado o acordo, mesmo o avaliando como um grande avanço. Sem metas e mecanismos claros o acordo pode ter sido mais uma declaração de boas intenções. Se não lutarmos para zerar as emissões até 2050 o planeta vai aquecer bem acima de 2°C. Os pesquisadores defendem ainda que o mecanismo de revisão das INDCs tem de ser muito mais freqüente e com uma sinalização clara de aumento da meta. O acordo propõe a revisão a cada cinco anos, com foco no aumento da ambição das INDCs para acelerar a implantação do acordo. A sempre polêmica agenda do financiamento climático, que tem o potencial de emperrar as negociações foi resolvida, mesmo que não agradando a todos: serão US$ 100 bilhões por ano aportados pelos países desenvolvidos para ações de combate à mudança do clima e de adaptação nos países em desenvolvimento. O valor será um piso e deverá ser revisto em 2025. A COP 21 também trouxe a baila o protagonismo de novos atores: as cidades. Em eventos paralelos e oficiais, redes de cidades emergiram como parte importante do esforço climático. Em 2011, apenas 14% das ações contra o aquecimento global partiam de cidades, e já em 2015, este índice aumentou para 51%. A Rede C40, por exemplo reúne 82 megacidades, entre elas Salvador, que representam mais de meio bilhão de pessoas e um quarto da economia global. O estudo “Climate Action in Megacities 3.0” compilou os compromissos das cidades contra as mudanças climáticas, mostrando que as metrópoles vão reduzir emissão de 3 gigatoneladas de CO2 até 2030. Entre críticas e elogios o Acordo de Paris pode ser uma espécie de manual de reorientação da economia mundial e um sinal do alinhamento entre governos e a ciência do clima. Pela primeira vez um acordo entre todos os países sinaliza que a farra das emissões de gases de efeito estufa precisa chegar ao fim. Com otimismo podemos ouvir o sino que anuncia o começo do fim de uma Era suja e poluente, e o início de um paradigma para as relações internacionais, para o desenvolvimento global e uma esperança para o planeta. O espírito de engajamento presente na COP 21 precisa ser mantido vivo e vibrante. Será ele que nos guiará, pois ainda há muito a ser feito. Artigo originalmente publicado na edição de 16/12/2015 do Jornal A Tarde.
- Em pratos limpos
Há 10 mil anos, provavelmente na Mesopotâmia, atual Iraque, o ser humano iniciou sua jornada na agricultura. Cultivando espécies vegetais, deixou de ser nômade e civilizações começaram a florescer. Milênios depois a gastronomia e os hábitos alimentares ao redor do planeta são os mais diversos. Desde técnicas e sabores tão diversos que vão da cozinha francesa a japonesa. Hábitos alimentares peculiares como na Sardenha, onde se come queijo com larva, ou no Camboja onde tarântula é iguaria. No México grilos, larvas e ovos de formiga recheiam tacos junto com guacamole. Na China, escorpião e cachorro fazem parte do cardápio. No Brasil, conhecido pela diversidade de sua culinária continental, um ingrediente quase oculto tempera nossa comida. Todos os anos o brasileiro consome 5,2 litros de agrotóxicos presentes nos alimentos. É como se todo mês bebêssemos uma garrafinha de meio litro quase cheia de veneno. O último Dossiê da Associação Brasileira de Saúde Coletiva, revela que 70% dos alimentos in natura consumidos no país estão contaminados por agrotóxicos, sendo que desse total, 28% contêm substâncias não autorizadas no Brasil. Nessa conta não estão os alimentos processados, produzidos a partir de grãos geneticamente modificados e temperados com essas substâncias químicas. Desde 2008 ocupamos o lugar mais alto do pódio global quando o assunto é uso de agrotóxicos pela agricultura: um milhão de toneladas de veneno. Entre 2001 e 2008 o comércio de agrotóxicos aumentou de US$ 2 bilhões para mais de US$7 bilhões, chegando a US$ 8,5 bilhões em 2011. No Brasil o crescimento do setor foi de 190% em dez anos, enquanto o mercado mundial cresceu 93%, segundo a Anvisa. Em abril de 2015, o Instituto Nacional de Câncer, no documento técnico Posicionamento público a respeito do uso de agrotóxicos ressaltou os efeitos associados à exposição crônica dos agrotóxicos à saúde, em especial por sua relação com o desenvolvimento de câncer, mas também infertilidade, impotência, abortos, malformações fetais, neurotoxicidade, desregulação hormonal e efeitos sobre o sistema imunológico. Em março, a Agência Internacional de Pesquisa em Câncer, da OMS, publicou estudo onde classificou o herbicida glifosato e os inseticidas malationa, tetraclorvinfós, parationa e diazinona como prováveis agentes carcinogênicos para humanos: todos eles são amplamente usados no Brasil. Segundo a OMS, os agrotóxicos causam 70.000 intoxicações agudas e crônicas por ano nos países em desenvolvimento. Em 2008 o agrotóxico metamidofós foi proibido na China e, de lá pra cá, as importações do Brasil mais que dobraram. Consumimos hoje pelo menos 10 agrotóxicos que são proibidos em outros países do mundo, como o 24D, um dos ingredientes do chamado ‘agente laranja’, que foi pulverizado pelos Estados Unidos durante a Guerra do Vietnã, deixando gerações de crianças nascendo deformadas, sem braços e pernas até os dias atuais. No Brasil veneno tem desconto: o governo federal isenta completamente de IPI, PIS/Pasep e Cofins e concede redução de 60% da alíquota de cobrança do ICMS a todos os agrotóxicos fabricados a partir de uma lista de dezenas de ingredientes ativos. Essas isenções se somam ainda a outras determinadas pelos estados, na maior parte dos casos chega a 100%. Claude Levi-Strauss dizia que “os alimentos não são bons apenas para comer, mas também para se pensar”. O alimento não traz apenas aromas, texturas e sabores. O processo de formação de um povo pode ser expresso por sua alimentação. Gerações estão sendo envenenadas de forma silenciosa e crônica. Artigo originalmente publicado na edição de 31/12/2015 do Jornal A Tarde.

