Sustentabilidade tem se tornado um termo clichê. Servindo a diversos senhores, acaba por ter banalizado seu real sentido e importância. Há poucos anos atrás os que falavam em meio ambiente eram considerados loucos, poetas, místicos, incômodos e chatos. Era hora de aproveitar o que o planeta nos deu, consumir era felicidade e ninguém impediria esse direito. A humanidade se lambuzou achando que era grátis. Mas a conta foi chegando devagar e agora é hora de pagar.
A corda dos loucos foi aumentando, aumentando e de repente começam a parecer loucos os que antes eram sãos. As novas gerações trazem o DNA da sustentabilidade e ajudam a fazer as gerações anteriores evoluir. Como o grilo falante, elas ensinam e praticam o novo paradigma de desenvolvimento, como se fosse a coisa mais comum. E é para elas, como tem sido para cada vez mais gente.
Como pensar hoje em um desenvolvimento que não traga benefícios a todos? Que não seja transparente e participativo, ou que não transforme nossos espaços de convivência em locais onde a qualidade de vida é a tônica? “O caminho para a dignidade até 2030: acabando com a pobreza, transformando todas as vidas e protegendo o planeta”, é o novo relatório da ONU que aborda os desafios pós-2015 e constrói uma nova agenda a partir de 17 Objetivos do Desenvolvimento Sustentável e 169 metas para transformar nosso planeta e nossas relações. Aprovado por unanimidade dos países, os objetivos e metas impõem um desafio a ser alcançado em 15 anos, reforçando o senso de urgência que o tema precisa, face a necessidade de, literalmente, salvarmos nossa própria pele.
E essa salvação passa obrigatoriamente pelas cidades, onde o dia a dia acontece e as políticas públicas se concretizam. Inserir Salvador nesse contexto é um desafio que está em marcha desde 2013. Depois de décadas sem olhar local, a agenda ambiental assume seu papel. O primeiro grande e Histórico passo tomou forma na sanção da Lei Municipal 8915\2015, a Política Municipal de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável, gerada pelo executivo em um amplo processo de envolvimento da sociedade e aprovada pela Câmara de Vereadores. Fruto dessa construção coletiva, ela é um marco para nossa cidade. Bandeira histórica do movimento ambientalista e uma necessidade para Salvador, a nova lei traz instrumentos modernos e estrutura, de forma clara, antigos processos como licenciamento, fiscalização, financiamento e controle social, garantindo segurança jurídica para todos. Traz a temática das mudanças climáticas e a possibilidade de pagamento por serviços ambientais. Reconhece o direito de todos os seres vivos e confere a devida importância aos espaços sagrados dos candomblés da cidade e sua relação com a natureza.
Agora está posto o desafio de sua implantação, 34 anos depois da Política Nacional de Meio Ambiente, e 27 anos após a Constituição Federal trazer o meio ambiente sadio como um direito de todos. Diferente do século passado hoje nosso desafio maior é a construção de uma Salvador resiliente aos efeitos das mudanças climáticas, que se tornam mais dramáticos em uma península latinoamericana com relevo extremamente acidentado.
A recém sancionada lei prepara nossa cidade para esses desafios. Se articula à redes como a C40, resgatando o caráter global que Salvador teve em seu auge, quando foi o porto mais movimentado das Américas. Agora o comércio escravagista e de commodities cede lugar a sustentabilidade.
Lenine traduz essa mudança em uma de suas músicas: Éramos uns poetas loucos, místicos; Éramos tudo o que não era são; Agora são com dados estatísticos; Os cientistas que nos dão razão; De que valeu, em suma, a suma lógica; Do máximo consumo de hoje em dia; Duma bárbara marcha tecnológica; E da fé cega na tecnologia?
Artigo originalmente publicado na edição de 08/10/2015 do Jornal A Tarde.