Mario Quintana, com sua sensibilidade além do comum dizia que “o que mata um jardim não é o abandono. O que mata um jardim é esse olhar de quem por ele passa indiferente”. Salvador viveu um período em que nosso verde, ou o descuido com ele, passou indiferente aos olhos soteropolitanos. Anos que começam a ficar apenas na memória.
Com a mudança de comando, a gestão de áreas verdes voltou a ser prioridade. Desmantelada anos atrás, passou a ser reconstituída e a cidade volta a ser florida e cuidada. Vivemos então alguns dilemas: muitas de nossas árvores não resistiram aos anos de abandono. Estão doentes, com fungos e parasitas. Em alguns casos uma poda drástica ainda as salva. Em outros a única solução é sua retirada.
Muitas espécies inadequadas foram utilizadas na arborização das cidades brasileiras, que hoje passam a enfrentar situações, em alguns casos, dramáticas, como um edifício na Pituba que começou a ter sua estrutura abalada pela ação das raízes de uma imensa amendoeira. A ação das raízes é silenciosa e desconhecida da maioria. A retirada da árvore causa um impacto forte na comunidade. Mas o que fazer? É como uma pessoa que passou um bom tempo sem ir ao médico, mesmo sabendo da necessidade, e quando vai recebe um diagnóstico grave, e que o remédio é amargo. Não adianta culpar o médico. No caso de nossas árvores, elas não têm culpa, mesmo assim em alguns casos o remédio é amargo.
Mas não só de remédio amargo vive nosso verde. Em Salvador a prefeitura já plantou mais de 30 mil mudas de árvores nativas da Mata Atlântica e tem a meta de plantar 100.000 até 2016. Com uma diferença: a escolha das espécies, do momento e do local adequados ao plantio, reunindo condições para que o plantio se integre ao paisagismo e ofereça alimento para a avifauna garantindo a biodiversidade urbana.
Para irmos além da gestão, está em fase final de construção os estudos preliminares para que a sociedade soteropolitana comece a discutir um Plano Diretor de Arborização Urbana, Areas Verdes, Paisagismo e Mata Atlântica para a capital. Esse documento, que será construído de forma participativa definirá metas, formas, índices, vetores de conservação e preservação assim como espécies adequadas para o plantio na cidade e a necessidade de sua manutenção para os próximos anos, integrado à discussão do PDDU e da LOUOS. Passará então a ser um grande legado, uma Política Pública que passará por governos e orientará a integração do desenvolvimento urbano à um modelo mais verde.
Alguns dos principais objetivos do PDAUMA são a conservação, recuperação e preservação de remanescentes da Mata Atlântica, bioma que preenche todo o município com seus ecossistemas associados restingas e manguezais e tem uma das maiores concentrações mundial de biodiversidade. Recentemente, Ministério Público, Prefeitura de Salvador e ADEMI, juntos assinaram um grande pacto pela Mata Atlântica, garantindo regras claras para o manejo da mata na cidade, escrevendo uma página na História da conservação do bioma em Salvador.
Buda teve sua revelação sob uma Figueira. Newton mudou o estudo da física sob uma macieira. É com esse olhar que apreciamos, protegemos e fazemos renascer nosso verde soteropolitano. Um outro olhar.
Artigo originalmente publicado na edição de 20/09/2014 do Jornal A Tarde.