Ventos da mudança

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Artigo originalmente publicado na edição de 05/06/2014 do Jornal A Tarde.

“Dai-me a castidade e a continência, mas não agora Senhor”, dizia Aurélio Agostinho antes de se converter ao cristianismo, se transformar em um dos maiores expoentes da teologia cristã, para ser canonizado e virar Santo Agostinho.

Hoje a sustentabilidade é lugar comum em belos discursos de empresas, cidadãos e governos que defendem outras formas de pensar e agir no presente com olhos no futuro. A ciência tem avançado no estudo e entendimento dos fenômenos naturais e a forma como o ser humano interage e impacta os sistemas que sustentam a vida em nosso planeta e encontrado respostas à boa parte dos questionamentos que surgem com os problemas ecológicos, em especial os climáticos, que tem escala global, mas depende de ações locais. Como um Agostinho antes da conversão, sabemos o que está acontecendo e muitas vezes já sabemos o que fazer. Mas quase nada fazemos. Protelamos a ação para desfrutarmos do mesmo modelo cada vez mais decadente e perigoso.

Enquanto isso o IPCC, alerta para o agravamento da crise climática, mais especificamente a vulnerabilidade de espécies terrestres e aquáticas, o risco de que tenham de migrar ou se extingam.  A população de polinizadores também começa a ser afetada pela mudança no regime climático, o que impactará diretamente a produção agrícola. Logo, teremos ouro a preço de tomate.

Estamos mais perto do ponto de inflexão. Os ventos da mudança começam a soprar cada vez mais fortes. Uma nova revolução industrial está em curso e ela é baseada em energia renovável e tecnologias sustentáveis. Esse novo paradigma é um caminho sem retorno. Os que entenderem a mensagem que o planeta está transmitindo e se prepararem para as mudanças, terão excelentes vantagens competitivas e se destacarão.  As previsões soturnas  não são mais para os próximos séculos e sim para os próximos anos. “A civilização industrial global pode entrar em colapso nas próximas décadas em função do consumo insustentável de recursos e da distribuição desigual da renda”, alerta o conservador jornal britânico The Guardian em edição de 14/03. Nicholas Stern, uma das mais respeitadas vozes sobre a crise climática declarou recentemente que ele estava errado sobre a crise climática e que ela é muito mais avassaladora e iminente do que se previa. Mas podemos, com a força do diálogo, e com políticas adequadas mudar esse cenário.

Aqui nos trópicos continuamos injetando ar poluído no leito de um modelo de desenvolvimento moribundo. A única contribuição que ficará é a de um passivo em ascensão para os que virão, e um cotidiano caótico para os que aqui estão, em cidades travadas, ar poluído e carros a preço de banana.

Se nossas cidades vivem atualmente o drama do trânsito, da habitação, da violência e da cidadania, elas são também o  lócus privilegiado para o desenvolvimento de soluções para a crise civilizatória que vivemos. Exemplos ao redor do mundo e até mesmo no Brasil já começam a desenhar o caminho a ser seguido. Nos falta ainda mais sintonia entre os entes da federação. Enquanto o governo federal reduz o IPI e facilita o acesso ao crédito por meio de bancos públicos para a compra de carros, as cidades travam, a cota do Fundo de Participação dos Municípios reduz e os prefeitos tem que administrar um problema a mais com dinheiro de menos.

Mudança de paradigma não é simples, demanda tempo para assimilação, mas precisamos acelerar o processo. Aqui em Salvador, com a força do diálogo, atual gestão, com forte liderança do Prefeito ACM Neto, iniciamos o resgate de um passivo de décadas de ausência de uma agenda ambiental para a cidade e estamos começando as discussões públicas de uma Política Municipal de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável, que deverá apontar nossa contribuição para que Salvador se coloque no palco mundial das cidades inovadoras e sintonizadas com os ventos da mudança. Como diz um antigo provérbio chinês “Quando os ventos de mudança sopram, umas pessoas levantam barreiras, outras constroem moinhos”.

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