Um inferno para chamar de nosso

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Entre os anos 1307 e 1321, Dante Alighieri escreveu uma obra-prima da literatura mundial. A Divina Comédia trouxe o próprio Dante como protagonista e acompanha sua história de conversão: de pecador em busca de Deus. Nessa trajetória, ele passa pelo inferno e purgatório até o paraíso, cada um detalhado em um livro.

O inferno descrito no livro é formado por nove círculos, onde se concentram quem comete pecado na vida terrena e que são acometidos por diversas formas de sofrimento. Eles são atormentados por furacões e ventanias, atolados em lama suja, ficam debaixo de chuva de granizo, água e neve, são condenados a permanecer em um deserto de areia quente, onde caem chamas de fogo do céu…

As referências climáticas na trilogia de Dante parecem mais com uma profecia. Em 700 anos, a humanidade vem conseguindo transformar o planeta Terra em um lugar que se aproxima do inferno descrito pelo escritor italiano.

A Europa vive uma onda de calor sem precedentes. Já foram mais de mil mortos nos incêndios florestais em Portugal e Espanha. Na Itália, as temperaturas chegaram em 44°C . Na Espanha, 43°C. E Portugal atingiu até 47°C . Nos Alpes, o derretimento recorde da geleira Theodul colocou em discussão os limites fronteiriços entre Itália e Suíça.

No Reino Unido, o primeiro dia da história com 40°C causou quase mil mortes em quatro dias. O calor tem sido tão intenso que pistas de aeroportos derreteram, forçando o fechamento e cancelamento de voos; trilhos de trem precisaram ser pintados de branco na tentativa de que ficassem menos quentes, o que vinha causando deformação e risco para os vagões; e linhas de energia e de distribuição de água também foram impactadas. As pessoas foram orientadas a reduzir o uso de computadores para evitar superaquecimento das máquinas e, consequente, perda de dados.

Em 2020, o Instituto Britânico de Meteorologia fez uma simulação de como seria o clima em 2050. A previsão chegou em 2022. Antes, os meteorologistas britânicos previam que a temperatura atingiria 40°C a cada 100 anos. Agora, a previsão reduziu para um intervalo de apenas três anos.

Essa onda de calor é mais um alerta, entre tantos outros, de como promovemos uma mutação no clima terreno que tem nos levado ao limite do nosso conhecimento. Nossa geração vive no período mais quente dos últimos 125 mil anos, de acordo com o Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas. Vivemos na era em que a concentração de dióxido de carbono na atmosfera alcançou os níveis mais altos em 2 milhões de anos.

No Brasil, a pior crise hídrica em 91 anos, que deixou um rastro de inflação e racionamento com impactos econômicos duradouros, foi seguida pelo mais extremo período de chuvas em décadas nas cidades da Bahia, Rio de Janeiro, Pernambuco, São Paulo, Minas Gerais, Espirito Santo e Alagoas.

No inferno de Dante, os hereges recebem como punição o sepultamento em túmulos abertos, de onde jorra fogo. No inferno da Terra, inocentes são queimados vivos em incêndios florestais ou em ondas de calor nos centros urbanos, como consequência de negacionistas da ciência.

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