Exportadores de violência
Artigo originalmente publicado na edição de 24/11/2015 do Jornal Correio.
“Enquanto houver guerra, há esperança”, dizia Pietro Chiocca, traficante de armas interpretado por Alberto Sordi, ao seu assistente sempre que ele descobria um novo conflito na África ou Oriente Médio. A frase nomeia o filme original em italiano “Finché c’è guerra c’è speranza”, de 1974.
Enquanto lidera uma missão de paz no Haiti, o Brasil se destaca como o quarto maior exportador de armas do mundo, fabricando inclusive munições para armas que a indústria interna não produz. De acordo com o relatório As Armas e o Mundo da organização Small Arms Survey, que monitora conflitos armados e o comércio de armas de fogo no mundo, só ficamos atrás dos Estados Unidos, Itália e Alemanha quando o assunto é exportação de revólveres, pistolas, metralhadores, fuzis, lança-granadas, artilharia anti-tanque, munições e morteiros. Estamos à frente de países como a Rússia, fabricante da AK 47 e a China que tem o maior exército regular do planeta. De acordo com o relatório, o Brasil é o único país no ranking que não é transparente quando o assunto é exportação de armas: ninguém sabe ao certo pra onde vai, quem compra e quanto compra das armas brasileiras.
Nossas armas podem estar sendo usadas por milícias separatistas, grupos paramilitares, bandos terroristas, governos autoritários, violando Direitos Humanos e potencializando conflitos ao redor do mundo. Em 2011 o país não entregou à ONU o relatório de suas transferências de armas, mesmo sendo signatário da ATT, tratado internacional que regula comércio de armas. Os poucos dados mostram que o Brasil é o segundo maior fornecedor de armas pra a Venezuela, país que atinge a alarmante taxa de 55,4 homicídios por 100.000 habitantes, sendo atualmente o mais violento do mundo. Armas brasileiras também abastecem os conflitos no Iêmen. A produção e circulação de armas descontrolada faz com que elas possam parar nas mão de fundamentalistas como o Estado Islâmico ou o Boko Haran por exemplo, e usadas em atos terroristas com centenas de morte como os de Paris e Quênia.
Essa indústria exportadora de violência mira agora seus negócios no mercado interno. Financia a flexibilização do Estatuto do Desarmamento que, de acordo com o Mapa da Violência 2015, salvou mais de 160.036 vidas desde sua sanção em 2003, sendo 113.071 de jovens na faixa etária entre 15 e 29 anos. Entre 1993 e 2003 os homicídios com arma de fogo cresceram 7,8% ao ano, chegando a 36.115. Se fosse mantida essa progressão, teríamos em 2012, 71.118 vítimas fatais de armas de fogo, no entanto foram registradas 40.077 mortes, 1% de crescimento, contra os 7,8% de antes do Estatuto do Desarmamento. Mesmo assim ainda estamos à frente de países como Iraque, que vive um pós guerra frágil, e México, com uma eterna briga entre cartéis de nacotraficantes, quando o assunto é taxa de homicídios. Aqui 20,7 pessoas morrem a cada 100.000 pessoas, enquanto no Iraque a taxa está em 6,3, e no México 13,6.
Em 2006, a CPI do Tráfico de Armas da Câmara, diz em seu relatório final que “55% das armas [encontradas com criminosos] rastreadas (…) foram legalmente vendidas, antes de caírem na ilegalidade. Destrói-se o mito de que as armas vendidas a cidadãos de bem nada têm a ver com as armas dos criminosos”. Essas armas e munições têm alvo. Enquanto o número de pessoas brancas mortas por arma de fogo caiu de 14,5 mortes por 100.000 habitantes para 11,8, (23%) entre 2003 e 2012, a quantidade de vítimas negras aumentou 14,1% saltando de 24,9 para 28,5. Vivemos um holocausto que tem cor, idade e sexo.
Flexibilizar o Estatuto do Desarmamento, é um caminho para a consolidação desse estado de guerra que vive o país. Todas as evidências e dados mostram que a circulação de armas de fogo, registradas ou não, potencializa o número de mortes. Como o motociclista Sílvio Ricardo de Andrade Silva, 41 anos, assassinado depois de esbarrar no retrovisor de um veículo no trânsito. O motorista sacou uma pistola, fez diversos disparos pelas costas e fugiu do local. Se ele não tivesse uma arma provavelmente Sílvio estaria vivo e a solução teria sido na justiça.
A paz não pode ser uma palavra bonita nos discursos. O mundo gastou U$ 1,75 trilhão em armas em 2013, de acordo com levantamento do Stockholm International Peace Research Institute. Em dezembro 193 países estarão reunidos para encontrar um acordo que possa fazer o planeta caminhar no sentido da adaptação as mudanças climáticas. A grande pergunta é sempre de onde virá o dinheiro para financiar essa transição. Por que não um corte linear de 20% em todos os orçamentos militares? Precisamos deixar de ser protagonistas da geopolítica da violência e sermos protagonistas da geopolítica da paz.
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