Em pratos limpos
Artigo originalmente publicado na edição de 31/12/2015 do Jornal A Tarde.
Há 10 mil anos, provavelmente na Mesopotâmia, atual Iraque, o ser humano iniciou sua jornada na agricultura. Cultivando espécies vegetais, deixou de ser nômade e civilizações começaram a florescer. Milênios depois a gastronomia e os hábitos alimentares ao redor do planeta são os mais diversos. Desde técnicas e sabores tão diversos que vão da cozinha francesa a japonesa. Hábitos alimentares peculiares como na Sardenha, onde se come queijo com larva, ou no Camboja onde tarântula é iguaria. No México grilos, larvas e ovos de formiga recheiam tacos junto com guacamole. Na China, escorpião e cachorro fazem parte do cardápio. No Brasil, conhecido pela diversidade de sua culinária continental, um ingrediente quase oculto tempera nossa comida.
Todos os anos o brasileiro consome 5,2 litros de agrotóxicos presentes nos alimentos. É como se todo mês bebêssemos uma garrafinha de meio litro quase cheia de veneno. O último Dossiê da Associação Brasileira de Saúde Coletiva, revela que 70% dos alimentos in natura consumidos no país estão contaminados por agrotóxicos, sendo que desse total, 28% contêm substâncias não autorizadas no Brasil. Nessa conta não estão os alimentos processados, produzidos a partir de grãos geneticamente modificados e temperados com essas substâncias químicas. Desde 2008 ocupamos o lugar mais alto do pódio global quando o assunto é uso de agrotóxicos pela agricultura: um milhão de toneladas de veneno. Entre 2001 e 2008 o comércio de agrotóxicos aumentou de US$ 2 bilhões para mais de US$7 bilhões, chegando a US$ 8,5 bilhões em 2011. No Brasil o crescimento do setor foi de 190% em dez anos, enquanto o mercado mundial cresceu 93%, segundo a Anvisa.
Em abril de 2015, o Instituto Nacional de Câncer, no documento técnico Posicionamento público a respeito do uso de agrotóxicos ressaltou os efeitos associados à exposição crônica dos agrotóxicos à saúde, em especial por sua relação com o desenvolvimento de câncer, mas também infertilidade, impotência, abortos, malformações fetais, neurotoxicidade, desregulação hormonal e efeitos sobre o sistema imunológico. Em março, a Agência Internacional de Pesquisa em Câncer, da OMS, publicou estudo onde classificou o herbicida glifosato e os inseticidas malationa, tetraclorvinfós, parationa e diazinona como prováveis agentes carcinogênicos para humanos: todos eles são amplamente usados no Brasil. Segundo a OMS, os agrotóxicos causam 70.000 intoxicações agudas e crônicas por ano nos países em desenvolvimento.
Em 2008 o agrotóxico metamidofós foi proibido na China e, de lá pra cá, as importações do Brasil mais que dobraram. Consumimos hoje pelo menos 10 agrotóxicos que são proibidos em outros países do mundo, como o 24D, um dos ingredientes do chamado ‘agente laranja’, que foi pulverizado pelos Estados Unidos durante a Guerra do Vietnã, deixando gerações de crianças nascendo deformadas, sem braços e pernas até os dias atuais.
No Brasil veneno tem desconto: o governo federal isenta completamente de IPI, PIS/Pasep e Cofins e concede redução de 60% da alíquota de cobrança do ICMS a todos os agrotóxicos fabricados a partir de uma lista de dezenas de ingredientes ativos. Essas isenções se somam ainda a outras determinadas pelos estados, na maior parte dos casos chega a 100%.
Claude Levi-Strauss dizia que “os alimentos não são bons apenas para comer, mas também para se pensar”. O alimento não traz apenas aromas, texturas e sabores. O processo de formação de um povo pode ser expresso por sua alimentação. Gerações estão sendo envenenadas de forma silenciosa e crônica.
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