Do Everest às Marianas (passando pelo estômago)

Compartilhar

Uma nova doença, causada pela ingestão de plástico por aves marinhas, foi descrita recentemente por pesquisadores do Museu de História Natural do Reino Unido. O estudo escolheu analisar pardelas-de-patas-rosadas da Ilha de Lord Howe, na Austrália, local escolhido em função da distância das principais fontes de poluição por plástico.

A distância não adiantou muito nesse caso. Muito plástico foi encontrado no tecido estomacal das aves que confundem o material com comida no oceano. O estômago inflama, e a recorrência das cicatrizem levam a uma doença fibrótica, alterando a flexibilidade do tecido e consequentemente a capacidade de digestão de alimentos do estômago. Mas não para por aí. A ingestão de plástico atrofia as glândulas tubulares, responsáveis pela secreção de compostos digestivos, afetando o sistema imunológico e a capacidade de absorção de vitaminas das aves. A plasticose foi definida como uma cicatriz causada por plástico no estômago de aves marinhas e ela não foi, infelizmente, a única descoberta da pesquisa. Microplásticos foram encontrados no baço e nos rins das aves, e pesquisas seguem avaliando possíveis impactos nos pulmões.

A poluição plástica não reconhece fronteiras ou barreiras: plástico foi encontrado no chão da Fossa das Marianas (o ponto mais profundo do oceano) e no cume do Everest (o pico mais alto do planeta). Evidências científicas relacionam a contaminação por BPA (composto químico presente em diversos tipos de plástico), com a obesidade, puberdade precoce, distúrbios da tireoide, câncer de mama, ovário e testículos em seres humanos. Estudo da USP encontrou microplástico em 13 de 20 amostras de pulmão de ex-moradores de São Paulo que passaram por autopsias.

Diversos caminhos levam os microplásticos até o ser humano. Como leva em média 400 anos para se degradar na natureza, ele acaba sendo ingerido por animais e humanos por ficar disponível na natureza. Estudo publicado na Science mostrou que já há registros de ingestão de plásticos por mais de 1,5 mil espécies de animais, desde minhocas a baleias. Já se encontra microplástico também na água da torneira, na atmosfera de Londres, no leite materno e na urina dos bebês.  Um estudo australiano estimou que uma pessoa chega a ingerir o equivalente a um cartão de crédito por semana em plástico. Outro estudo mostrou que chovem quase 4 toneladas de plástico por mês em Paris. Algumas partículas são tão pequenas que, quando entram na corrente sanguínea podem chegar até o cérebro.

O plástico possui usos em importantes atividades humanas e ajuda diversos segmentos a serem mais eficientes, mas produtos descartáveis e seu descarte incorreto estão como os responsáveis por essa epidemia de lixo plástico que o planeta enfrenta. O Brasil é o quarto maior produtor de plástico do mundo, não consegue reciclar nem 1% de seus resíduos enquanto a imensa maioria dos municípios os descarta em lixões a céu aberto. Precisamos reduzir o uso de embalagens plásticas, introduzir taxas e proibir produtos descartáveis como canudos, copos, sacolas plásticas além das microesferas usadas em cosméticos e promover apoio maciço à inovação de novos materiais totalmente biodegradáveis.

Salvador pode ajudar o Brasil a enfrentar esse problema, tirando do papel rapidamente leis apresentadas e aprovadas pela Câmara de Vereadores que proíbem o canudo descartável e que promovem a cultura oceânica na rede municipal de ensino (André Fraga) e que proíbem a distribuição gratuita de sacolas plásticas (Carlos Muniz) na cidade. Uma Salvador cidade livre dos plásticos é possível!

Artigo originalmente publicano no Jornal Correio* no dia 27/02/2023

Menu