A água subia rápido e invadia a pequena casa sem reboco com chão de cimento batido. Dona Maria percebeu o risco que corriam e pediu à neta de 8 anos, Rivânia, para correr e pegar o que ela considerasse mais importante, pois precisariam sair de casa para salvar suas vidas. Rivânia não pensou duas vezes: agarrou a mochila, que guardava seus livros e material escolar, e subiu na jangada que a resgatou com seus avós.
Antes motivo de alívio para aplacar a sede e geralmente chegando em carros-pipa, a água se transformou no algoz de milhares de pessoas, levando vidas e dignidade embora. Ao menos 39 cidades de Pernambuco e Alagoas, que vivenciavam estado de calamidade por causa da seca, foram incluídas pelos governos estaduais em decretos de emergência pelas chuvas. Mais de 60 mil pessoas ficaram desabrigadas.
União dos Palmares, em Alagoas, tem mais de mil pessoas desabrigadas e está sem energia por conta das chuvas e calamidade pela seca. Depois da chuva, o nível do Rio Mundaú subiu tanto que a Defesa Civil recomendou que os ribeirinhos deixassem suas moradias e procurassem abrigo em locais seguros. Uma semana antes das chuvas, a cidade enfrentava rodízio no abastecimento de água por causa do nível baixo do mesmo Rio Mundaú. Em Caruaru, o comerciante Hélio Souza gastava R$ 450 por semana com carros-pipa para garantir água aos clientes. Com a chuva teve perda total no seu ponto comercial.
Parte expressiva das cidades brasileiras enfrenta problemas associados a padrões de desenvolvimento urbano e transformação de áreas geográficas e históricas. O aquecimento do planeta está interferindo no ciclo hidrológico causando mudanças exacerbadas, que tendem a acentuar riscos já existentes, como inundações, deslizamentos de terra, ondas de calor e limitações no fornecimento de água potável. É o que diz o relatório especial Mudanças Climáticas e Cidades, do Fórum Brasileiro de Mudanças Climáticas, lançado em 2016.
Considerando os movimentos recentes do presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, de retirar o país do Acordo de Paris, caberá, ainda mais, às cidades um papel de liderança na agenda climática. Empresas como Facebook, Apple, Ford e Microsoft criticaram sua decisão e cidades como Nova York e estados como a Califórnia articulam grandes coalizões com seus pares para seguir na rota de Paris. A China, de olho no dinheiro da transição, já assina acordo com estados e cidades com foco em energias renováveis, deixando Trump ainda mais isolado.
Trump vira as costas para a ciência, questionando milhares de pesquisadores e dados no maior esforço científico da história humana. Mas, se a Casa Branca estivesse sendo invadida por água, e não por terroristas do Estado Islâmico, ou ameaçada por uma bomba da Coreia do Norte, o que o presidente Trump levaria na mochila para uma viagem incerta e traumática, se tivesse o mesmo tempo que Rivânia?
Artigo originalmente publicado na edição de 27/06/2017 do Jornal Correio.