Toda grande organização geralmente possui um setor que tem como papel selecionar, contratar, desenvolver, treinar, motivar, engajar, reconhecer, atrair e reter colaboradores. O RH, como geralmente é chamado esse departamento, tem ainda o papel de disseminar a cultura, missão e valores, alinhando as políticas de recursos humanos com a estratégia da organização.
José era autônomo. Assaltava pequenas lojas do comércio de bairro. Um dia foi pego. Preso em flagrante. Levado a delegacia, acabou indo parar no presídio. Chegando lá o carcereiro perguntou a que facção criminosa ele pertencia. Se declarou autônomo, independente. O carcereiro então perguntou onde ele morava, qual bairro e rua. Com essa informação ele sentenciou a que facção José passaria a integrar, convivendo com seus próximos colegas de trabalho na ala dedicada a eles na penitenciária. Assim o Estado transformou nossos presídios no RH do crime organizado. E José, que chegou com segundo grau incompleto, sairá de lá, com um MBA, além de disseminar a cultura, missão e valores de sua nova organização.
Em 2016 subimos ao pódio. Mas não foi só pelas olimpíadas. Conquistamos o 3º lugar em quantidade de gente nas cadeias. Só perdemos para gigantes como Estados Unidos e China. Já temos mais de 720 mil pessoas encarceradas. Em 26 anos nossa população carcerária multiplicou 8 vezes! A proporção de presos para cada 100 mil habitantes também tem crescido. Eram 260 em 2010, e 353 em 2016. E o perfil dos presos é o mesmo de sempre: a maior parte homens negros, jovens, pobres e com baixa escolaridade.
Mesmo prendendo tanto, entre 2005 e 2015 passamos de 26,1 para 28,9 homicídios por cada 100 mil habitantes. Quase metade dos brasileiros hoje tem a percepção de viver em áreas sob a influência de grupos criminosos. Em 2017, o Fórum Brasileiro de Segurança Pública realizou um levantamento nacional em que 23% dos entrevistados consideravam que é alta a chance de que o crime organizado ou facção atue em sua vizinhança. Outros 26% responderam que a chance é média.
Não tinha como ser diferente. Aplicamos, nos anos 2000, a mesma política de enfrentamento às drogas adotada nos anos 1960. Lotamos os presídios em uma época de popularização dos celulares. Estava montado o escritório. A presença de facções criminosas era um fenômeno que se restringia a São Paulo e Rio de Janeiro. Hoje estão em todos os estados dentro e fora dos presídios conectadas com os principais produtores de drogas do continente. O Mercosul da cocaína.
Qualquer análise rasa conclui que o modelo fracassou. E aqui o sistema penitenciário financiado pelo Estado recruta, engaja e multiplica para as facções criminosas, desperdiçando dinheiro de forma eficaz.
Artigo originalmente publicado na edição de 30/12/2018 do Jornal A Tarde