Cheguei na capital Colombiana em um sábado a noite para me hospedar no bairro de La Candelária, o centro histórico deles. Por ser centro da cidade, imaginei que o dia seguinte, domingo, seria “morto” para saber como vivem os bogotanos e como funciona a cidade. Saí do hotel que estava e passei a caminhar por ruas pouco movimentadas em direção à Plaza Bolívar e ao virar a primeira esquina me deparei com uma multidão de pessoas, famílias, casais e grupos de amigos aproveitando o domingo em uma das principais ruas da cidade, que estava fechada e foi entregue a pedestres e bicicleteiros.
Durante a semana percebi que a Carrera 7 tem essa parte fechada definitivamente se transformando em um grande calçadão no que é chamado de Revitalizacion de la carrera 7. Nos cinco dias que fiquei em Bogotá fiz questão de acompanhar de perto o cotidiano da cidade para entender e confirmar o que fez a cidade sair das páginas policiais dos anos 90 e assumir papel de liderança em sustentabilidade e participação cidadã. A primeira impressão é a de uma cidade que caminha, que se encontra. E isso é essencial para que cidades se resgatem. Mesmo que a Colômbia passe por um momento parecido com o brasileiro, em que a facilidade de crédito entope as cidades de automóveis e ameaça jogar por terra um trabalho que vem sido construído por décadas e tinha como objetivo eliminar o uso do carro particular até 2015.
Tudo começou no final da década de 1990 quando o poder público e a sociedade civil passaram a atuar de forma complementar. Enquanto o prefeito e sua equipe organizaram um plano de desenvolvimento para a cidade priorizando as pessoas e a qualidade de vida, a sociedade civil passou a acompanhar e monitorar o avanço de indicadores sociais, ambientais e econômicos, ou seja, a sustentabilidade urbana local. Mobilidade urbana, segurança pública, qualidade de vida e educação em uma cidade que prioriza as pessoas e encontros foram as quatro linhas de atuação básicas adotadas para o inicio da mudança estrutural que a cidade precisava. Então, os resultados começaram a aparecer.
A política de mobilidade se alicerçou no aperfeiçoamente do sistema de ônibus originado em Curitiba. O Transmilênio mais parece um metrô pela forma como funciona: estações de embarque e transbordo que cortam as principais avenidas, ônibus bi ou tri articulados que informam as próximas estações e possuem climatização. O sistema tirou de circulação 7.000 ônibus particulares pequenos, o que na prática significou a redução em mais de 50% das emissões de gases de efeito estufa na cidade, o que consequentemente, melhorou a qualidade do ar na cidade. Em 2008 o Transmilênio foi o único grande projeto de transporte público aprovado pela ONU para gerar e vender créditos de carbono.
As estimativas são de que esses créditos já tenham rendido entre 100 e 300 milhões de dólares a capital colombiana. Mas não foi só o Transmilênio que mexeu com a mobilidade da cidade. Desde 1998 mais de 300km de ciclovias foram construídas ligando o subúrbio ao centro e uma forte campanha pelo uso das bicicletas foi organizada. Além disso há o rodízio de placas de automóveis particulares.
Outro foco, a segurança pública, foi tratado de forma prioritária. O orçamento da pasta dobrou e mudanças jurídicas foram implementadas com punições severas para corrupção policial. Resultado: em 2012 Bogotá registrou o menor índice de homicídios dos últimos 27 anos. A qualidade de vida foi melhorando e teve um outro incentivo: 1 milhão de metros quadrados de novas praças, parques e áreas de lazer foram abertos, algumas no lugar de cortiços e antigos pontos de tráfico. Bibliotecas e centros culturais foram levantados e estruturados em bairros pobres e violentos. Aliado a tudo isso uma rede social se formou e criou o movimento Bogotá Como Vamos que passou a monitorar os indicadores e a cobrar mais ação dos governantes, levando em conta a percepção das pessoas. O movimento impactou a Administração Distrital que passou a prestar contas de suas ações e orientar a gestão por resultados. Da mesma maneira que o Governo é retroalimentado e utiliza essas informações para definir prioridades e auto avaliar a gestão. Hoje é possível avaliar a percepção do cidadão acerca das mudanças implementadas na cidade desde 1998. O modelo já foi exportado para diversas cidades da Colômbia e do mundo. Em 2000 e 2002 o projeto foi premiado pela ONUHábitat entre as Melhores Práticas para a Melhoria da Qualidade de Vida.
Fica aí um bom exemplo para Salvador. Aqui não se caminha mais. Aqui não se encontra mais. Richard Florida, um dos expoentes da teoria da Economia Criativa e do renascimento de cidades, mostra em seus estudos que as cidades que ressurgem das cinzas ou se mantém na dianteira dos processos de inovação, assim fazem justamente por fomentar encontros e diversidade. É essa permanente troca que propicia inovação e criatividade, dois elementos que sempre nos diferenciaram, que sempre nos colocaram na dianteira da Nação.
Artigo originalmente publicado na edição de 03/01/2013 do Jornal A Tarde.
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