“Dai-me a castidade e a continência, mas não agora Senhor”, dizia Aurélio Agostinho antes de se converter ao cristianismo, se transformar em um dos maiores expoentes da teologia cristã, para ser canonizado e virar Santo Agostinho.
Hoje a sustentabilidade é lugar comum em belos discursos de empresas, cidadãos e governos que defendem outras formas de pensar e agir no presente com olhos no futuro. A ciência tem avançado no estudo e entendimento dos fenômenos naturais e a forma como o ser humano interage e impacta os sistemas que sustentam a vida em nosso planeta e encontrado respostas à boa parte dos questionamentos que surgem com os problemas ecológicos, em especial os climáticos, que tem escala global, mas depende de ações locais. Como um Agostinho antes da conversão, sabemos o que está acontecendo e muitas vezes já sabemos o que fazer. Mas quase nada fazemos. Protelamos a ação para desfrutarmos do mesmo modelo cada vez mais decadente e perigoso.
Enquanto isso o IPCC, alerta para o agravamento da crise climática, mais especificamente a vulnerabilidade de espécies terrestres e aquáticas, o risco de que tenham de migrar ou se extingam. A população de polinizadores também começa a ser afetada pela mudança no regime climático, o que impactará diretamente a produção agrícola. Logo, teremos ouro a preço de tomate.
Estamos mais perto do ponto de inflexão. Os ventos da mudança começam a soprar cada vez mais fortes. Uma nova revolução industrial está em curso e ela é baseada em energia renovável e tecnologias sustentáveis. Esse novo paradigma é um caminho sem retorno. Os que entenderem a mensagem que o planeta está transmitindo e se prepararem para as mudanças, terão excelentes vantagens competitivas e se destacarão. As previsões soturnas não são mais para os próximos séculos e sim para os próximos anos. “A civilização industrial global pode entrar em colapso nas próximas décadas em função do consumo insustentável de recursos e da distribuição desigual da renda”, alerta o conservador jornal britânico The Guardian em edição de 14/03. Nicholas Stern, uma das mais respeitadas vozes sobre a crise climática declarou recentemente que ele estava errado sobre a crise climática e que ela é muito mais avassaladora e iminente do que se previa. Mas podemos, com a força do diálogo, e com políticas adequadas mudar esse cenário.
Aqui nos trópicos continuamos injetando ar poluído no leito de um modelo de desenvolvimento moribundo. A única contribuição que ficará é a de um passivo em ascensão para os que virão, e um cotidiano caótico para os que aqui estão, em cidades travadas, ar poluído e carros a preço de banana.
Se nossas cidades vivem atualmente o drama do trânsito, da habitação, da violência e da cidadania, elas são também o lócus privilegiado para o desenvolvimento de soluções para a crise civilizatória que vivemos. Exemplos ao redor do mundo e até mesmo no Brasil já começam a desenhar o caminho a ser seguido. Nos falta ainda mais sintonia entre os entes da federação. Enquanto o governo federal reduz o IPI e facilita o acesso ao crédito por meio de bancos públicos para a compra de carros, as cidades travam, a cota do Fundo de Participação dos Municípios reduz e os prefeitos tem que administrar um problema a mais com dinheiro de menos.
Mudança de paradigma não é simples, demanda tempo para assimilação, mas precisamos acelerar o processo. Aqui em Salvador, com a força do diálogo, atual gestão, com forte liderança do Prefeito ACM Neto, iniciamos o resgate de um passivo de décadas de ausência de uma agenda ambiental para a cidade e estamos começando as discussões públicas de uma Política Municipal de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável, que deverá apontar nossa contribuição para que Salvador se coloque no palco mundial das cidades inovadoras e sintonizadas com os ventos da mudança. Como diz um antigo provérbio chinês “Quando os ventos de mudança sopram, umas pessoas levantam barreiras, outras constroem moinhos”.
Artigo originalmente publicado na edição de 05/06/2014 do Jornal A Tarde.