Entre 1920 e 1933 o Governo dos EUA proibiu a produção, venda e transporte de qualquer bebida alcoólica no país. Resultado: bebidas sendo produzidas em fundos de quintal com péssima qualidade e gerando problemas de saúde pública, passeatas querendo a liberação e um mercado negro surgido a partir da corrupção policial, do tráfico de bebidas e da estruturação de máfias e quadrilhas que enriqueciam com o negócio tornado ilegal. Saldo: mortes, corrupção e crimes que se estruturaram ao redor da ilegalidade. Al Capone fez fama, fortuna e entrou pra História.
A forma como os países enfrentaram o consumo de drogas é a grande responsável pela escalada de violência associada ao tráfico. A utilização de substâncias psicoativas faz parte da História da Humanidade. Não se começou a usar maconha ou beber vinho no século passado.
No início do século XX, a maconha era liberada. No Brasil, maconha era “coisa de negro”. Na Europa, era associada aos imigrantes árabes e indianos. Nos Estados Unidos, quem fumava eram os mexicanos. Ou seja, no Ocidente, fumar maconha era visto com antipatia pela classe média branca, e proibir o uso da maconha passou a ser uma forma de controle social dessas classes, assim como a capoeira.
Segundo a ONU, o tráfico de drogas movimenta por ano cerca de U$ 300 bilhões e 147 milhões de pessoas fumam maconha no mundo, sendo a terceira droga mais consumida, depois do tabaco e do álcool. A Comissão Europeia divulgou estudo relatando que as drogas ficaram entre 10 e 30% mais baratas e, consequentemente, mais acessíveis em 2011. Pesquisa britânica revelou que, entre 20 drogas, a maconha ficou em 11ª posição enquanto o álcool em 5º e o tabaco em 9º, quando o assunto é danos para a saúde, e contradizendo a teoria de que ela é porta de entrada, a pesquisa revelou que apenas 5% dos usuários fazem uso de outras drogas mais pesadas.
Os piores danos do uso da maconha advém do seu status ilícito. Mudar a forma como é feita a política de drogas ajudaria a evitar o desenvolvimento de estruturas criminosas e violentas associadas ao tráfico. Transformar repressão em redução de danos. A lógica é simples: admitir que a proibição não induz as pessoas a deixarem as drogas e, por isso, é preciso educá-las. Reduziríamos a população carcerária brasileira onde 10% é composta por pessoas que foram presas com pequena quantidade de drogas para uso próprio. Estudos de Harvard mostraram que a maconha legalizada nos EUA, deslocaria US$ 6,2 bilhões para a saúde pública. Em 2010 um grupo dos mais renomados neurocientistas brasileiros divulgou carta pública defendendo a legalização da maconha.
Estudo de 2011 da Comissão Global de Políticas de Drogas, mostrou que o consumo de drogas no mundo cresceu até 34% entre 1998 e 2008. O estudo mostra ainda que países que apostaram em uma política de redução de danos não tiveram aumento no número de usuários, usando dados de Portugal Holanda, Austrália. O que políticas repressivas conseguiram foi criar novos Al Capones, Pablos Escobar, Fernandinhos Beira Mar, Raimundões, etc...
O Uruguai acaba de ousar no tratamento dessa questão. Aprovou lei que estatiza a produção, distribuição e venda de maconha no país dando um passo inovador. Ações como essa estão cada vez mais frequentes: 19 estados norte-americanos já legalizaram o uso; na Espanha a cidade de Rasquera na Cataluña autorizou uma associação de consumidores a plantar maconha como estratégia para atenuar a crise econômica que castiga o país. Holanda, Portugal, Argentina, etc., o número só cresce.
A equação é relativamente simples: proibir a produção, distribuição, comercialização, porte ou consumo não encerrará a milenar busca humana por estados alterados de consciência. O consumo não diminui. A violência e corrupção relacionada ao mercado produtor e distribuidor de drogas cresce exponencialmente. Jovens brasileiros enfrentam um verdadeiro Holocausto. É preciso repensar a política de drogas. A maconha é apenas uma forma de abrir o debate e dar o primeiro passo com ousadia como fizeram nossos hermanos uruguaios.
Artigo originalmente publicado na edição de 02/01/2014 do Jornal A Tarde.